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Niassa

por neves, aj, em 22.03.08

PhotobucketNiassa é aqui referido como antigo navio de passageiros pertencente à frota portuguesa, mas é também nome de lago e deprovíncia da ex-colónia portuguesa de Moçambique, que hoje como nação independente tem a denominação de República de Moçambique. Com o eclodir da Guerra Colonial (1961-1974) o paquete Niassa passou a fazer o transporte regular de tropas portuguesas entre a Metrópole (Continente) e as ex-colónias. Em condições precárias transportaria em cada leva dois, três mil homens quedos e mudos com a cabeça cheia de enigmas. Na volta traria outros tantos, mas agora eufóricos, ansiosos e sedentos da terra firme de Lisboa. Quando aportasse no Tejo o navio seria tomado por enorme algazarra e o convés tornar-se-ia demasiado pequeno para tanto homem agora e finalmente crentes no seu regresso são e escorreito daquele longínquo "cu de judas". No entanto, como todos os que rumavam à Metrópole, este mesmo navio também trazia consigo o silêncio em porões escondidos dos olhos dos bravos que regressavam, um silêncio macabro de dezenas, centenas de urnas revestidas a chumbo que encerravam corpos inertes de jovens camaradas.
Mas a imagem miniatura do Niassa que embeleza a entrada não está aqui para falar de uma guerra que estropiou e matou milhares de jovens de ambas as partes e que o regime caquético de Salazar e Marcello não soube pôr cobro. A imagem está aqui porque faz parte de uma apresentação de slides, PowerPoint, intitulada A VELHA FROTA COLONIAL e que me foi enviada por um amigo. Não sei se porventura o amigo João algum dia viajou nele, mas a minha escolha foi assim propositadamente feita porque, aqui sim, sei que o Niassa transportou um dos meus irmãos, só não tenho a certeza se a caminho de Angola se na eufórica chegada a que assisti no Cais de Alcântara em Lisboa. Eu teria então 15 anos, feitos em Novembro e estávamos em Dezembro, e mesmo passados que vão lá quase quarenta anos as imagens afloram-se-me ao cérebro com uma nitidez impressionante e é caso para dizer que lamento imenso ainda não existir tecnologia capaz de traduzir por imagens o que me corre na memória. Poderiam então ver, caros leitores, a cena final de uma épica chegada: caixões despidos de Bandeira Nacional perfilados por todo o convés, não sei quantos mas sei que muitos e os bastantes para me colocarem em sentido, à espera de serem içados e trazidos para o cais sem honra nem respeito por guindaste estivador sujo e porco que abraçava os corpos como se de meras caixas de mercadoria se tratasse. Acreditai ou não, mas a revolta e a raiva iniciada dois anos antes com o início do envio de dezenas de aerogramas cresceu, tomou muito mais forma e cada dia que passava mais eu pensava e matutava que seria o próximo a tomar o caminho... viva Abril que me livrou, e a milhares, de tão maus pensamentos.

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