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A gracinha

por neves, aj, em 05.01.08

(inevitavelmente o entusiasmo levou-nos um pouco mais além da amável lembrançazinha recebida)

PhotobucketO bilhete que a acompanhava desejava-nos um Natal mais doce.
Efoi realmente mais doce.  Muito mais doce e carinhosamente quente quer pelo conforto espiritual emanado da gracinha quer, e literalmente, graças aos odores e sabores tipicamente lusitanos trazidos dentro de si e que tiveram o condão de em cada garfada ou em cada fatia, meticulosamente mastigadas, me proporcionarem a transposição atlântica.
Não só a mim, note-se bem, porque apesar de ter nascido por estas terras quentes brasilenses a minha cara-metade sente-se tão bem como peixe em água ao beber da seiva lusa principalmente se ela tiver o gosto beirão ora da Santa Comba que me viu nascer ora da Sernancelhe mais a leste onde a árvore de seus antepassados está plantada.
Tendo embarcado por mão amiga no cais da boa vontade em Lisboa lá pelo dia 10 do passado mês de Dezembro a chegada da gracinha a esta banda di cá estava prevista para uma semana depois, mas atendendo às ondas que se costumam levantar nestas alturas festivas seria de aceitar um atraso pontual de mais uns dias. Aos vinte e tal dias desse mesmo mês a ansiedade e a inquietude começaram a apoquentar-me receando eu que a gracinha tivesse submergido nas profundezas do Atlântico ou que tivesse rumado a outras paragens. Sofria em silêncio, mas entretidos como andávamos com essas coisas de Natal a minha Maria nem se apercebia desse meu nervosismo... é que eu não a tinha avisado da chegada da gracinha e queria surpreendê-la com o tão apregoado (por mim, claro) 
Bolo-Rei, a tradicional iguaria doce que enfeita maravilhosamente a consoada lusitana, embora agora menos bolo porque a legalista, papista ou fundamentalista União Europeia resolveu decepá-lo de duas preciosidades nele contidas: o brinde e a fava. Fica a memória, o pensamento, porque a esse não há machado que o corte.
Por outro lado sentia-me aborrecido por saber que além-Atlântico a preocupação também estaria presente e eu ansiava pela hora de enviar a senha combinada alfa rómio chegou gracinha rómio alfa proporcionando assim a desejada satisfação à carinhosa amiga e eterna vizinha no nosso Outeirinho residente há uns anos lá pela capital e que embora não conte assim com tantas primaveras como os meus 52 anos possam sugerir fez o especial favor de transportar algumas vezes ao colo este gorducho de então, note-se bem, filho mais novo da Rosita do Outeirinho.

A gracinha atrasou-se. Não por culpa dela, entenda-se. A Ceia aconteceu. Tinha que acontecer mesmo na sua ausência. O bacalhau cozido com batatas, couve, cenoura e ovos, também cozidos e bem regados por azeite português não faltaram. Vinho do Dão a acompanhar. Um regresso às origens, ora pois, e livrem-se de me chamar saudosista. As rabanadas nem ficaram mal de todo e apartando as queimaduras provocadas pelos salpicos do óleo fervente foi gostoso estar à volta do fogão apesar do calor. Viajámos um pouco, claro. Como sobremesa refrescámos as gargantas com salada de frutas e leite creme bem fresquinho, tudo caseirinho com toque luso-brasileiro, beiro-tropical digamos assim. Quanto cortámos o Panetone, bolo de influência italiana tão tradicional por estes lados nesta quadra, o meu coração disparou e lembrei-me da gracinha. Talvez o único lamento desta noite bem passada em que também não faltaram as nozes, avelãs e passas, embora saboreada apenas a dois (a três, lembra a minha Piruças) mas em família.

No entanto 2007 ainda não tinha findado. O Ano Velho ainda tinha dias pela frente quando a campainha de casa tiniu anunciando uma visita. Minha companheira recebeu-a estupefacta porque nunca a tinha visto nem sequer ouvido falar nela. Um sorriso de orelha a orelha abriu-se na minha cara: a gracinha estava aí vivinha da silva. Um segundo Natal tinha entrado porta adentro. Alegres como putos, enfeitiçados como meninos à volta do primeiro brinquedo partimos ambos para a descoberta e quando a coroa real fez a sua aparição vi felicidade, êxtase, no rosto da minha Maria. Assim aconteceu e assim o escrevo para que conste e para que do outro lado a querida amiga entenda o tão difícil agradecimento por palavras que nos proibiu de fazer.

Mas eu contrario e agradeço. Obrigado, simplesmente. Obrigado também pelo perfume dos enchidos, curiosamente fabricados na Beira Alta, e do queijito transmontano. Quanto aos sabores, e se me é permitido, ficam comigo, connosco.

Bem haja!



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publicado às 10:34



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