Imaginem-se no tempo em que [todos] os animais falavam, inclusive o Homem, e se compreendiam numa única linguagem. Para aqueles que se possam interrogar, diga-se a propósito que nesse tempo já havia Natal e que por altura desta quadra festiva também era prática apregoar-se a Paz e o amor entre todos os animais sem distinção. Por outras palavras, pregava-se a fraternidade e o respeito entre animais sem olhar ao sexo nem à forma do corpo ou mesmo à cor do seu revestimento, não interessando ainda lá muito se fulano era animal mais racional que beltrano. Claro que durante o resto do ano, e à semelhança dos dias de hoje, toda esta conversa era embalo para boi dormir e os ditos animais superiores dominavam a seu belo prazer. Se protesto houvesse da parte dos que se quedavam pelos estratos social-evolutivos mais baixos, era fácil, umas cacetadas no lombo e um pontapé nos quartos traseiros acabavam com a questão, e se algum [falso] pudor existisse em tratar assim o "seu semelhante" então cuidava-se subtilmente de pô-los de lado, abandonando-os à sua sorte. Em suma discriminá-los, prática nos dias de hoje muito comum. Contudo, como na actualidade, já naquele tempo nem todos [os humanos] pensavam assim.
Naquela véspera de Natal, o cunhadito tinha ido fazer as últimas compras. Não o bacalhau que esse já tinha sido comprado, aliás até já estava a demolhar fazia tempo, mas sim aquelas pequenas compras que vão ficando por fazer e ó despois ficam mesmo para a última hora, ora porque se adia embarcando naquela máxima do "depois faço, quer dizer depois compro", ou então porque se julga sempre encontrar artigo igual ou similar a preços mais baixos. É um risco que quando mal calculado e perante a necessidade premente e já sem tempo pode sair caro: geralmente despendem-se mais uns cobres e, pior, o imo do indivíduo tem tendência a se auto-flagelar.
Contudo não tinha sido por nenhuma destas situações que o cunhadito tinha saído de casa naquele dia que antecede o Natal, visto que as compras há muito tinham sido feitas. Ele simplesmente foi comprar pão como era prática quase diária, só que ao passar perto das prateleiras da comida especial para cachorros o espírito de Natal invadiu-o e não olhando para os cobres marcados na etiqueta adquiriu uma lata, tal qual como a representada acima, para presentear a 4patas na Ceia de Natal.
Ora foi precisamente a partir deste momento tão familiar que se instalou um sério problema lá em casa. É que a amiga e fiel companheira de todas as horas deixou de passar cartão à ração, à carne bovina moída e até às sobras do peito de frango. É, é que apesar de estar velhota e de ter perdido substancialmente a visão, mantém o faro em óptimo estado de conservação e vai daí, gulosa, só lhe passou a interessar o conteúdo da dita lata, uma massa qualquer de um odor tão intenso e convidativo que foi por pouco que o cunhadito se conteve em saborear, tamanha era a tentação e a curiosidade.
No dia seguinte ao Natal, Sábado, enquanto o cunhadito lançava umas papalvas para o blogue a fiel amiga tomou lugar no seu assento e colocada em pose de esfinge faraónica começou o diálogo reivindicativo: cunhadito, está na hora ir comprar uma latita daquelas, a outra já acabou segundo diz a manita.
- Não, é cara, tens aí carne moída e ração.
- Ração é para os porcos como tu dizes e já deito carne moída até pelas orelhas.
- O que eu digo não é para ser repetido, comes frango. A lata que comeste que nem uma loba foi apenas para comemorar o Natal.
- ... hum
- Hum quê?
- É difícil entender os humanos.
- Sim? Porquê?
- Não são vocês que dizem que todos os dias deviam ser Natal?
Sem esperar por resposta deu pequeno pulo para o chão e embora titubeando lá foi tratar da vidinha para outro lado deixando a dura couraça do cunhadito mais perfurada que crivo de regador. Bom, com a brincadeira tem que se considerar que o objecto peludo, nesta altura quase todo pelado porque o calor aperta, saiu vencedor. Não em termos absolutos, como desejaria, mas a verdade é que passou a ter direito a uma latita com mais frequência o que atesta que o cunhadito não é tão mau como alguns o pintam e afinal lá em casa acontece Natal mesmo fora de época.Em tempo - o sogro chamava filha à 4patas, donde, por dedução, esta será manita da outra filha e quem casou com esta passou a ser o cunhadito.